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os rolo duarte

 

 

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com um profundo desdém pelos telefones.

A história começa com uma história dentro de outra história que o Rolo Duarte, pai e avô, nos oferecia à hora das refeições oudurante as viagens no Fiat 1500 e já para o final, no Opel Corsa, o último modelo que conduziu e aqui se apresenta a herdeira a confirmar essa transição do bem sobre rodas sem espinhas familiares. Era quem mais precisava, a bondade dos Rolo Duarte sempre veio deste apelido junto com o Rodrigues Nunes Madeira da Maria João. As tricas familiares apareceram muito tempo depois da memória de uma infância passada entre Lisboa e o Penedo, a construir piscinas na areia da Praia Grande e, mais tarde, com o desafio seguro pelos mais velhos: todos os pequenos Rolo Duarte tiveram direito a furar as super-ondas por baixo, corpo esticado, rente à areia que a sentíamos na pele para depois aparecer, cabeça erguida, na crista, lá no alto dos altos a acenar aos Rolo Duarte que nos viam onde a terra firme explica como o mar é gigante e poderoso. Nunca tivemos problemas. Todos fomos bons alunos uns dos outros e nessas marés claro que provocámos dores de cabeça aos pais, tios, amigos. A todos, excepto aos banheiros que percebiam que percebíamos o fundamental do mar. Respeito, muito respeito, rapidez de decisão, não virar as costas à água fortíssima. Regras cumpridas, saíamos a correr das «ondas alterosas» para o macio da toalha e o calor do sol. Mas neste adiantar da existência convém recuar até onde deve ser. 

No início, era o rapaz, filho de militar da aviação que só viria a conhecer o pai aos 5 anos bem feitos. O padeiro denunciara os do reviralho e lá foi deportado o Rolo Duarte Júnior, para mim, o mais antigo dos Rolo Duarte. Voltaria, o nosso avô, fraco dos pulmões e a valente mãe que correra ministérios, duas filhas pela mão e um dentro da barriga, a perguntar pelo marido, ora também a mãe, avó, e agora bisavó acabaria por contrair a maleita sem remédio: o temível diagnóstico da tuberculose. Jovens morreram, jovens deixaram as manas e o miúdo das caixas de sapatos e uma vela dedicadas às sessões de cinema caseiras e obrigatórias. Portanto, o pai foi parar aos Pupilos do Exército. Sempre indisciplinado, castigado, «enxertado em corno retorcido». O filho do António Rolo Duarte Júnior aprendeu o que tinha para saber naquela escola que lhe cortava as asas da escrita, do cinema, de tudo o que fosse imprensa e reportagem e aventuras, sonhos sob o olhar atento das manas. Assim se tratavam. Eram todos belos nos modos e parecer. Morenaços, cabelos encaracolados, magros, elegantes e uma forma de estar humorada.  

Ao mesmo tempo, a linda mignonne filha de militar da marinha, emocionava-se com a beleza do pai dela, o Manuel de branco vestido, mais um pai do reviralho e a mãe Mercedes com 3 filhos e ambos, digo, os pais, nossos avós a morrer de tuberculose e um dos miúdos, mais fraco, de morte infantil sempre dura e despida de Deus misericordioso que o avô Manuel detestava «padrecas». A vida livre da miíúda, nossa mãe, nos campos do Seixal deu lugar a um número no Colégio de Odivelas destinado às meninas queridas dos militares. 

Se acreditasse em coincidências e no poder do Uno, seja lá o que o Uno for, diria que tudo se desenhou no céu. Pirosa a ideia, mas bosques para quê? 

De facto, a tal miúda de Odivelas conheceu o rapazola magricela, sempre bem vestido, e casaram. E de cinco em cinco anos nascemos nós, os 3 filhos Rolo Duarte. António Manuel, Maria de Fátima e Pedro Manuel. Enquanto pai e mãe trabalhavam fora de casa, o António teve direito à «velha Cândida» que o protegia e deixava fazer tudo: «são crienças», incluindo comer a sopa ao som das tampas de panelas. Música, era a música do António. Eu e a minha Ilda, uma beleza portuguesa que me pegava ao colo e enchia de beijos. A minha Ilda era Quica e ainda por estes dias se me vê, fala-me como se fora a sua menina dos 5 anos e vestidinhos feitos à medida. Nem quero pensar que também morreu. Então? O Pedro comia a sopa com a Fernanda «sargento» e nas férias grandes, Penedo, Sintra, o puto charila ensinou a dona Olímpia a ler e a escrever para a carta de condução o que a levou a conduzir uma Vanette carregada de fruta para vender no Mercado 25 de Abril, ali na curva grande para os lados de Almoçageme como quem segue a Colares. 

O que fizeram os nossos pais foi tão variado quantas as casas onde acabámos por viver. Falo do tempo em que se recortavam triângulos de papel branco colados nos vidros a anunciar um apartamento para alugar. Antes disso, o Rolo Duarte viveu numa pensão lado a lado com Carlos Paredes que ensaiava e já tratava o nosso pai por amigo, meu amigo. Foram, pois, amigos. O Rolo Duarte,delegado de propaganda médica e o filho de Artur Paredes. 

Conta a mãe, que o Rolo Duarte vendia medicamentos sem saber muito sobre o que vendia, mas, em contrapartida, os médicos interessavam-se pelas actrizes que o Rolo Duarte entrevistava à saída do avião. Por Lisboa,pelo Monumental passava o cinema do mundo a agitar a modorra de Portugal salazarento. Desde o Daniel Gélin, pai da Maria Schneider, a Fellini e o Orson Welles a abrir a porta ao falso empregado de hotel que era o nosso pai. Ali estava o gigante nu perante o Rolo Duarte a conseguir a entrevista única que ninguém mais teve. Depois disto O Crocodilo mordaz, no gozo tantas vezes censurado e obrigado a refazer. Os crocodilos desenhados pelo Martinez com a estrela no i da assinatura manuscrita. A reportagem sobre a primeira operação ao coração aberto e o pai a desmaiar redondo no chão. A resportagem foi feita com um truque: «Venha cá, ó Rolo, aproxime-se mais da acção». 

A mãe trabalhou como caixeira no Grandella, mais tarde secretária do patrão Grandella e depois por aí fora até chegar a escrever, também ela, sim, no Mundo Desportivo. Pequenas crónicas dedicadas às mulheres com conselhos sobre a saúde, o hóquei que adorava e sabia de cor, regras e nomes de jogadores. Os heróis desses tempos em que os saltos altos não eram um problema e se ouvia com um sorriso disfarçado: «ainda dizem que as flores não andam». Depois a «Donas de Casa» onde os textos da Maria João, enérgicos e soltos, eram censurados por atentado aos bons usos e costumes da época. «Tele-semana», «A Bola» onde se entregavam os textos em papel e logo a seguir em disquete. Viva o Benfica! A Maria João benfiquista sabia e ainda sabe tudo sobre os mistérios do esférico a rolar sobre a relva e o futebol é mesmo assim.

Por enquanto estamos longe, muito longe, do modo de vida boémio, mas já existia o café Gelo onde todos trocavam tudo. E o Monte Carlo perto do Monumental do Vasco Morgado agora habitado por uma Zara ou um banco das nossas intervenções voluntárias obrigadas à força, que remédio.

 

E a livraria Barata dos livros proibidos. 

 

Um dos mais belos e certos comentários veio do Pedro ao lembrar-nos que «nasceu embrulhado em papel de jornal». De todos nós, foi o mais jornalista. O António dedicou-se ao lançamento de uma editora discográfica, a Edisom, enquanto cuidava do catálogo da Virgin e muito bem. Eles eram eles e eu vivia no meu mundo privado feito de leituras e animais, conversas solitárias com árvores e uma escrita precisa e preciosa. Em mais velha seriam as artes gráficas. Saía-me bem no caminho para a escola, odiava a escola. Mas foi na escola que ouvi as histórias do «esquilo azul» dedicadas à Rita pelo pai José Cardoso Pires. E depois? A vida fervilhava pela zona do actual 1700 Lisboa. Passava o César Monteiro gravata às bolas maior que ele, Fernando Lopes no Luanda. Os Rolo Duarte existiam agora em O Jornal e mais tarde no Se7e criado aqui nesta casa onde me encontro. Entre o fumo dos cigarros e nós a espreitar o mundo dos adultos. 

A cronologia, verifico, obedece aos critérios da minha memória que vem do que a mãe se lembra e da minha desordem . 

O mano António e o seu olho para o negócio. Ousado em tudo. Sentido de humor repentista, sempre nos arrancava gragalhadas dos diabos. Se ele soubesse que estou a escrever iconoclasta, seria um circo para ele. Teve tanta influência no que hoje existe. Sem alardes, entrevistas. Era discreto. Fumador, com ele sentíamos a seguança. Ouvia com atenção e seria o anti-cristo do egoísmo. Eras, não eras? Sim. 

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Os Rolo Duarte pareciam muitos porque nos espalhávamos pelas esquinas das imprensas, televisões, rádio, discos. Havia quem perguntasse: quantos são vocês? Dava para rir pois sempre fomos 5. Não havia, que me recorde, luta alguma por influência de poder. Era um prazer. 

O Rolo Duarte, pai, o «p´á» era tratado por você omitindo o pronome pessoal. O pai. A Maria João seguia caminho por tu. Numa breve visita a Lacan seria este Le Non du Père, que em português não pega. Azar o teu Lacan, já que ssa tua belíssima retórica só se aplica aos franceses. Coitados. 

O pai morreu num 5 de Fevereiro cinza, ensolarado, não há recordação do que o céu nos levou nesse dia estúpido, desajeitado, porra de dia. O Rolo Duarte entrou em Santa Maria a fumar e ainda aqui está guardado o seu último SG Ventil. Implodiu. Um enfarte silencioso apanhou-o, morreu o pai e andámos para aqui um ano, talvez mais, para sempre desasados. Tristes como breu e a vida não se leva para a frente. Quem o diz, mente por piedade ou crença pois a vida pára mesmo a rolar, a vida pára. Quem implode está zangado com o mundo. Seria o caso do pai? Seria o caso do pai. Os relógios do Rolo Duarte, as canetas do Rolo Duarte, o fabuloso arquivo do Rolo Duarte meticulosamente arrumado por pastas e datas, algumas corrigidas pela letra grande do pai, certa e bem desenhada. São centenas de pastas contendo recortes e fotos de pessoas teatrais, cinematográficas, jornalistas, escritores, cantores. Há um aspecto curioso, reparo agora, não me recordo da voz do Rolo Duarte. Em contrapartida, o andar de calcanhar fincado no chão, tal como eu caminho, é nosso. E deste som guardo a toada musical minimal. 

A mãe engripada no Natal. O pai feliz com as compras todas por fazer e um longo cachecol branco de pura lã para abafar a Maria João. Abifa-te, avinha-te. Éramos todos jovens. Vistos dos meus 60, até os jovens pais eram pais tão jovens. Não que na velhice a Maria João deixe de ser a mais bela das mais belas que vejo. Mantém a sua franja, a sua força independente, chata como eu sou chata, como todos, cada um de nós à sua maneira, todos chatos prontos a pedir desculpa. Os chatos dos Rolo Duarte? Maus feitios e corações de manteiga. Confiantes sem desconfianças. E se deviamos ser desconfiados? Talvez sim. Mas não seríamos Rolo Duarte 

Nada do que se escreve aqui está por ordem. Não há a menor hipótese de isto ser prosa disciplinada porque em nossa casa tudo era subvertido pelo pai, pela mãe e por nós. Eu lia enquanto comia, o António chateava-me e por baixo da mesa os pontapés à bruta davam para ais e uis que os pais fingiam não ouvir. O Pedro, esse «mandava nas paredes», conforme o mano velho pontuava com aquele dedo esticado: passa para cá a tua semanada

A intimidade dos Rolo Duarte pequenos: fomos todos maus alunos a matemática. Vai que o António nem por isso, mas tinha explicações do nosso brilhante primo Zé António Rolo Duarte a desenhar mesas de bilhar e esquemas fabulosos tendo em vista a vitória final na flanela verde. Eu inventava fórmulas esquisitas que davam resultados iguais aos da norma, normal, mas de tão peculiares e por vezes longos, acabavam por irritar os professores e enervar-me até desistir e continuar, em casa, as minhas contas com os dedos das mãos. Gostava de ver a evolução dos cálculos sem ter a obrigação de os mostrar. Oh, as professoras! O Pedro faltava às aulas e era o xuxu das meminas porque tinha cabelo comprido e a mania que era líder espiritual do gamanço dos famosos limões de rebuçado. Só o António andou no Padre António Vieira, porque os dois manos foram parar ao Camões. E mais tarde, ela que sou eu, a orgulhosa rapariga da António Arroio. Escola que  encheu as medidas pelo direito à preguiça que por ali se cultivava à revelia de alguns bons professores.

Rever o álbum de fotografias do pai é um orgulho. Desfilam os actores da época, os Fellini ele e ela, a Giulietta, Monsieur Gélin. A Amália novinha, a Voz recém-descoberta e um universo do «antigamente» como se usava dizer. São as imagens deste passado que mais gosto de olhar, observar. Talvez por isso, anos mais tarde, tenha aprendido fotografia servida pela Nikon do António e agora, obrigada Maria João, a máquina do Pedro, a Asahi Pentax.

Fotografias do casamento da Judite e do Duarte Braz? Foi-nos recentemente oferecida pelo Nuno Colaço, filho da Isabel Colaço e do Alberto Seixas Santos. Já crescido, pai, falador, conhecedor, culto e casado com a bela Marisa de Fred ao colo. Irrequieto, inteligente a escrever em russo o quê? Juro. A escrever sozinho em russo. Um miúdo do tamanho de uma pulga aos saltos. Tão bonitos. Importantes estes saltos no tempo. 

Ah, acabo de me lembrar de «As Deixas» que  o pai entregava em «O Jornal». Aquilo era tão bem feito. Em pouco espaço condensava-se a vida artística com algumas farpas de premeio. E muito bem. O Rolo Duarte era exigente e crítico mordaz. Ao tempo, aquilo não me dizia nada, agora sim. Leio e rio que nem uma perdida. Era com cada ironia, especialidade da casa, excepto no meu caso que me fico pelo sarcasmo. «As Deixas» chamavam a atenção para actores emergentes, filmes sem sucesso ou cheios de vento. A escrita do nosso pai era precisa e lembro-me de evitar os que, que, que ou os como isto ou como aquilo. Escrever tinha uma técnica apurada desde cada palavra no papel sem emendas até ao resultado final. Limpo.

A Maria João sempre escreveu rápida e sem preocupações técnicas. Escrevia leve, saltitante e observadora. Entrevistou tantas pessoas. Algumas sem nada para lhe dizer e sem inventar dava a volta ao deserto e construía um caso de leitura.

É isso. A mãe tinha, tem, uma escrita alegre. Dada à poesia é graças a este prazer que temos uma maravilhosa biblioteca onde pontuam os meus particulares gostos: a Llansol, a Neto Jorge, Fiama. O Fernandes Jorge. Entra-se na sala e vê-se a quantidade de preciosidades da Maria João. Não vale dinheiro, euros. thanatos, mas são leituras à nossa disposição. Foi aqui que aprendi a ler sem parar até o Rolo Duarte brincar, ou talvez não, com esta filha que passava horas deitada na cama, pernas contra a parede com a pilha dos Camus. a descoberta de Proust a que se seguiu a roubalheira de tudo o que podia na defunta livraria 111, até ser apanhada. O resto deste interessante evento leva um Fim e daqui não há mais informação relevante.

Esta família forte com um apelido tão mais belo quanto associado a uma história de pessoas corajosas, irreverentes, desobedientes não se perde enquanto existirem Rolo Duarte dignos dos Rolo Duarte

Dedido este lago do jardim do Campo Grande aos António pai e filho, injustamente mortos, em plena discordância com a morte, a enfrentar a morte, como é a morte pai? António, como foi morrer naquele mês de Março? Na minha cabeça habita o meu irmão Pedro porque, faz hoje um ano, fomos apanhadas de surpresa, mãe, mana, sobrinha. Íamos ver o Pedro sem saber pouco mais que este íamos-ver-o-Pedro. Um telefonema e do lado de lá um choro convulsivo a ocupar o espaço da sensibilidade toda. Da insensibilidade toda. Como é que isto sucedeu e agora aparece-nos esta a chorar e na minha cabeça um vazio e um desprezo total pela vida. Até pelo choro da coitada que chorava. Sucede que mãe, mana e sobrinha ignorávamos a gravidade do estado de saúde do Pedro. Se era para não sofrer, que dizer desta dor? A mãe. Porra, logo a mãe?! Ninguém ali percebeu quem é a Maria João? Agora, nem sequer sabemos onde pára. Ondes estás, Pedro? É uma pergunta.

 

O Pedro foi director e justamente director de jornais. O tal papel de embrulho era o seu reino que a pouco e pouco lhe foi retirado pelo andar da porca da política. Foi então que passei a ver o meu irmão irritadiço. Justamente zangado, mas fingindo que tudo corria bem. Não corria. Não podia escrever à sua vontade. Tinha de ser obediente quando a desobediêncica civil sempre nos correu no sangue. Desde os avós, bisavós, pai e mãe. Uma teimosa exstência venturosa. 

O Pedro  militante comunista falava com muita propriedade. Já o contei à sua revelia, é assim que escrevo. Um miúdo muito belo na sua inocência. Contudo, a vida crescida dos adultos trouxe-lhe a hipocrisia dos «amigos» necessários. Vivíamos na ausência da mediação do mano António. Vivíamos a discutir tudo e um par de botas. Eu grito que me farto porque na verdade sou siciliana, cigana. O Pedro ficava indignado e confuso. Zangado porque sem resposta. A mana é dura nos dizeres. E depois sempre houve um respeito pelo falar solto. A mãe incomodava-se, o que a meio da seriedade me dava para rir. Se ao menos isto fosse compreendido. Acorda Pedro, acorda. Foste um mano sensacional. Sabes de imprensa como ninguém e andas a perder-te ao lado de quem vale menos que tu. Sempre foi esta a minha irritação e nunca a disse. Ou se a afirmei, Pedro Rolo Duarte, eras um de nós e de um momento para o outro passaste para um lado esquisito, essa terra de ninguém das vaidades que me provocavam. Escrevo? Sim. Vergonha alheia. Já não havia o orgulho pelo mano que amava jornais. 

Não li o livro do Pedro «Não respire», a saúde tão sofrida e frágil. Nunca o lerei. É um favor e uma grande homenagem que lhe presto à maneira da irmã que sempre fui. O Rolo Duarte, pai, não o leria tal como a Maria João nem sequer lhe pegou. Os Rolo Duarte, problemáticos, sinceros e distantes da hipocrisia que sempre encontrei na maioria das pessoas com quem o Pedro RD se dava, vi-as desfilar, quase todas num velório penoso porque não foi da tua despedida, mas uma feira de egos, qual deles o maior. Nem eu consegui dizer nada de jeito. Queria falar da nossa mãe, mas a irritação levou-me para outro lado. Um velório é um local de silêncio ou festa, tanto se me dá, de conversas e lágrimas. Tenho aqui o teu escrito para mim sobre o elogio da lágrima. Não é lamechas, é um Rolo Duarte. Para onde foi o Pedro? Não sabemos. Foi sequestrado e nem explico mais o que vi, ouvi, a ferida. Fica aqui o segredo guardado. 

O DNa do Pedro é a sua melhor obra. O Eduardo Prado Coelho percebeu-o tão bem num elogio à última edição. Todos ali publicavam, conhecidos, desconhecidos, sem cunhas. O Pedro Mexia, ingrato e mais tarde convencido que era capaz de melhor que não foi, começou no DNa. As fotografias do Brázio, silencioso e risonho e as do Jorge Nogueira. Não me lembro do nome todo do brasileiro Marcelo. Mas sim, belíssimo portefólio de Marcelo. As reportagens da Sónia Morais Santos eram cem mil vezes mais valiosas do que a sua actual ocupação. Herança perdida numa porcaria de blog em que os filhos são produto de venda. Posso afirmar o meu asco? Posso e devo. As crianças não nasceram para serem o nosso ganha pão. Porra! O José Mário Silva, ah o que me irritou o José Mário Silva quando me emendou, digo, à Camila Coelho, a palavra terebintina para terebentina. Estava tudo certo, mas se eu escrevera assim era para não ser assado. As entrevistas do Luis Osório, oh, sempre as detestei como o topava e topo. Delicodoce e com esquemas. Já as da Anabela Mota Ribeiro me pareciam melhores, apesar de pretensiosas. O moderno Vaz Marques (para mim, padre, juro) era em tudo melhor por escrito. Assim continua.

Os editoriais do Pedro estavam lamentavelmente cheios de Miguel Esteves Cardoso, pessoa com quem só não se embirra quando limitado e bem ao «bolas para o pinhal» de pronto aceite pela Maria João, sim, a nossa mãe sem o conhecer de lado algum, e cá está, sem cunhas, apenas porque era um ventania sensacional que chegara ao Se7e e levantava folhas. «Bolas para o pinhal» era um tratado de bem escrever sobre música desconhecida. Mais que isso, era a novidade aceite, caída do céu aos trambolhões e esta abertura não era, é, nada portuguesa. Eis uma particularidade dos Rolo Duarte. Não há capelinhas, mas amigos, não há grupinhos, mas pessoas que se dão ou não. O Rolo Duarte, nosso pai, era tão rigoroso nestas escolhas. Bastava uma desilusão com alguém e a invisibilidade para era mais que certa. É o caso deste Miguel na sua coluna diária do Público com tanto interesse como ver relva a crescer. Não leio. Não lemos.

Neste desalinho cronológica veio «O Independente» e a revista «Capa» [K]. Devo dizer que tudo isto me parecia mofento com um perfume de modernidade para disfarçar monarquia sem sentido e o quinto império fascistinha. Sem ponta por onde se lhe pegasse coube ao Pedro, claro, sem surpresa, o melhor daquilo tudo: a entrevista a Vergílio Ferreira. Ele era o melhor deles todos. Embora não o soubesse. Mas era. O Pedro Rolo Duarte arrumava aquele bando de betos num bolso pequeno das calças. Podia espantar-se com as luzes de saber do Esteves e as piadolas de outro. Fogo de vista e amigos da onça.

A mãe foi a primeira jornalista de desporto mesmo que a sua coluna no Mundo Desportivo resultasse suave e datada. Mas sim, foi ela que por aqui anda pesados e leves 88 anos na falta do marido e de dois filhos. Como se sobrevive à morte de dois filhos? Não se sobrevive. A vida suspende-se e com esta idade não houve quem dela se lembrasse. A mãe dos dois filhos mortos. Frágil fortíssima presença nos dois enterros. Ao lado estavam duas Rolo Duarte, com a mãe somos 3.​ A Madalena é tão bela.

O que a Madalena gosta de ver e ouvir a avó. De folhear os álbuns de fotografias do avô desconhecido. O Rolo Duarte das duas manas, filho irrequieto do militar que o conheceu já com 5 anos. Do reviralho, republicano. E da nossa avó de armas que revirou este mundo e o outro garantindo, filhas pela mão e o nosso pai na barriga: «daqui não saio sem saber onde está o meu marido António Rolo Duarte Júnior?» Em Timor. 

Os Rolo Duarte somos agora nós as três, a Maria João, a Fátima, a Madalena. Não vejo mais nada, estou cega porque me cegaram numa intrusão do espaço da intimidade Rolo Duarte. As duas, mãe e mana, a casa justa e necessariamente num silêncio interrompido a despropósito, desrespeitoso. Pai, tu farias o que eu fiz, mas com menos espalhafato e a mesma firmeza. Para fora daqui quem aqui não pertence.

Penso muito nisto de ser a Rolo Duarte sobrevivente, filha e mãe e não viste tu minha filha o enterro do teu avô. Tanto jornalista, tanta pessoa. Nunca o esquecerei. Quem o respeitava é agora velho, morto ou como eu, a caminhar para a terceira idade. 

E assim andam as mulheres Rolo Duarte de mãos dadas, a mais velha curvada na sua dor. A mãe, a filha e a neta.

Faz hoje um ano. 24 de Novembro de 2017. Levámos com os pés de pessoas sem existência digna e em pose teatral-amargurada para as revistas da especialidade. Nada nesse espectáculo obsceno mexe connosco e com os valores Rolo Duarte. Dignidade, respeito e desrespeito onde o respeito não existe, amizade, aversão às vaidades impresssas em papel couché, ai Pedro, e uma alegria que esmorece. Fica a saber que as discussões continuam acesas sobre cinema, política e notícias ora-verifica-aí-no-teu-iPhone. Passados minutos sem rancor e com desculpas. Rolo Duarte. Pai, os livros aumentam, o arquivo está guardado, mas desarrumado, andará comigo até eu deixar de ter mão na papelada por ausência fisica. António, a tua fotografia é a companhia da mãe.

O Rolo Duarte pai e os filhos morreram todos na casa dos 50, diremos, jovens. 

Federico Fellini
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A Maria João Rolo Duarte é agora jornalista mais que reformada, viúva e sem dois filhos no longo caminho que leva na vida. Teve um marido que a amou no que era correspondido.

 

A lembrança deste casal, nossos pais, é a de cumplicidade e jornais, conversas, risota, observações jocosas. Boa cozinha e agora? O desconforto da velhice que sobra e não permite mexer como outrora.

 

A mãe do Pedro. A nossa mãe, Pedro, ficou calada ao perceber num olhar diagonal que aquele livro desgraçado, o teu livro magoado, não passava por ela, mas por uma lista de nomes a que chamaste a tua família, entra o Freud e a porra da psicanálise de mierda. E inconfidências tresloucadas, para quê Pedro, para quê? A tua morte tudo apaga, as crueldades mesquinhas dos que ficaram, não. A discussão que isto não daria contigo confuso, furioso. Mimado Pedro Rolo Duarte, todos os dias nos lembramos de ti. Muito de ti. Muito de nós: Os Rolo Duarte. 

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