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uma surpreendente aventura
num mês mais ou menos frio
a Isabel e a Olinda (desculpa
rapariga bonita que apareceu 
e desapareceu, mas não recordo
o teu nome.) falaram comigo e 
eu com elas sobre um projecto 
muito interessante: a invisibilidade das mulheres
designers, precisamente no universo do design. A Isabel ou a Olinda, teriam ficado intrigadas com a não autoria da capa do disco "Psicopátria" dos GNR. Terá sido o Jorge Romão a falar no meu nome e o resto é segredo. Esta demanda das duas jovens resultou em exposição no Porto. Sim, fiquei muito comovida. 

Vivo aqui no meu covil, como já vivi em incontáveis casas. Uma delas linda, com um logradouro, plantas, osgas, um gato espião,
de quando em quando um cão lambão, para que a harmonia da rima entre por esta porta. 
- Sou eu, a rima
- Entra, à vontade 
. Que rima com arbitrariedade.
Foi neste covil, via Zoom, que falámos as três. 

O Assunto era, e ainda é, o canto do esquecimento em que as mulheres designers gráficas vivem assim, assim, assado. (ó Guta Moura Guedes, escreves no Expresso sobre o tema em apreço e pergunto-te agora: para além de não perceberes um mamute de tipografia, onde ficou a "Errata" tão bem explicada pela Isabel Duarte (seremos família? Certamente) em carta dirigida a todas nós: as mulheres que trabalharam durante anos em design, artes gráficas para ser precisamente do meu tempo.) 

Do que falo? De um bom curso na Escola de Artes Decorativas António Arroio. Aprender a desenhar letra, a história da dita e quem lhe deu o nome. Estamos em plena coutada masculina.

E depois? 

Digam dois nomes de bons designers, portugueses ou estrangeiros? 
Estou certa que serão nomes de homens, porque ao tempo, anos 60, 70, 80 e até 90, as mulheres não entravam nestes campeonatos.

Viviam, vivíamos num limbo. Ninguém sabia nomes de ninguém feminino. Aqui (estamos em Portugal) e ali uma mulher assinava capas de livros, cartazes, amanhava-se a paginar livros. Em Lisboa, descia-se à Baixa para comprar Letraset ou Mecanorma em folhas, muitas folhas que serviam para decalcar a tipografia que era fundamental. Nomes, listas, coisas.

Na minha existência distraída não vos sei dizer se me encontrava com as mulheres designers como eu designer. Homens? Muitos. Rapazolas e eu rapariga magricela, irrequieta muitíssimo picuinhas na escolha de tintas e pessoas. Ignorava ostensivamente o Cayatte enquanto lhe observava os dedos gorduchos. Achava piada ao Luis Miguel Castro porque vinha sempre de outro mundo. Via o Botelho realizador e engraçava com o ar dele de puto charila (que o Botelho foi novo, juro!).

Até hoje não sei explicar porque escolhi artes gráficas e acabei anos e anos mais tarde divorciada, licenciada e a frequentar Direito na Clássica. 

Sei, isso sim, que o silência é a Casa das mulheres onde quer que façam isto, aquilo. As mulheres designers, sejamos verdadeiras, existiam sem existência que lhes fosse devida. E por vezes se o era! 


Não tenho resposta para a pergunta da Isabel a não ser que esta "metade do céu", que nós somos, já ultrapassou essa medida. Há mulheres em todos os lados. Não as vêem? Não as vemos?


Estou a pensar que tenho muita dificuladade em retirar as mulheres do mundo do Trabalho, ou antes, dos problemas graves que afectam os trabalhadores nos seus direitos. 
Mais de 54 dias, feitas as contas, as mulheres trabalham gratuitamente, oferecem de mão beijada o Trabalho à porra da sociedade. Escrever porra é fatal. 

- A senhora é feminista?
- Não

E eu penso: és feminista da cabeça aos pés, por dizer que ainda não o sabes.

Gostava de vos dizer que a minha designer favorita sou eu. Porquê? Porque sou do menos mundano que existe e a minha "obra" tanto serviu o Marco Paulo como a Amália, foi por ali e mais além, até caixas de laxantes desenhei. Um horror. E isto até ao dia em que o meu cansaço era de tal monta que nem levantar me apetecia, olhava e não tinha olhos senão para a minha filha. Como é que uma artista gráfica trata dos filhos, almocos, jantares, da roupa e escolhe Helvética no meio disto tudo que será 100% magente e uns 10% de azul.

Com muito esforço físico, sobretudo quando não estamos bem acompanhadas. Se nos sentimos sozinhas, não aquela solidão que antecede o sono das crianças, mas a mais dura: a solidão que nos obriga a pedir, a pedir, a pedir para isto e para aquilo e para tudo. A pedir para sermos mulheres. E para dar o meu exemplo, uma das primeiras mulheres designers de capas de discos, graças à aposta de um homem que me contratou: o David Ferreira e outro homem que lhe soprou o meu nome: o Pedro Rolo Duarte. 


- Sabes que ele até escreve que fazes muito bem arroz? -- Disse-me a rapariga do cabelos compridos.

E para aqui fiquei a pensar sem o dizer: eu quero que o arroz queime todos os dias se isso significar que sou feliz a fazer o que faço. Nem sempre faço arroz com alegria, mas sempre fui encantada pelo design. Gráfico, móveis, carros, chávenas, uma ventoinha, telemóvel, o prato de barro que segura a água da planta, a planta, o vaso, o lápis, o clip, a tampa da caneta bic furada não vá o diabo fazer das dele. Anéis, aliança, o rolo do papel higiénico, esta carta da Isabel em fundo rosa. Uma carta inquieta, irrequieta, cheia de todas nós. Merci mon cœur. 

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